As idas de Anabele

trecho do livro de inacabado e esquecido na gaveta "Anabele".


Anabele queria tanto falar sobre todas as coisas que passavam pela sua cabeça, e pensava que num ímpeto, mesmo sem querer, as palavras iriam sair pela boca e escancarar o vazio que ela andava sentindo. Iria falar sobre como se sentia perdida, distraída, sozinha e até chateada com Deus – Nossa, como ela estava chateada! O que a fazia sentir-se pior, pois não sabia se podia sentir-se assim com Deus, o Todo-Poderoso.


Como já disse, nesses tempos, eu nutria uma certa compaixão pelo estado da garota. Era de cortar o coração, inclusive daqueles que fingem não possuir um. E eu suspeito que, nesses casos, as coisas ficavam ainda mais difíceis de suportar. Eu era um desses, e vê-la naquele estado e em estado piores, me quebrou as pernas, se é que você me entende. Me deixava sem ação e, mais uma vez, cara-a-cara, face-to-face (como dizem os que se acham cool), com a minha própria fragilidade. E ninguém gosta de ser obrigado a se olhar no espelho. É como ficar nu numa festa de gala, a diferença é que, quando consciente, a vergonha de si mesmo é muito mais profunda. Eu a via lutar contra si mesma, como se houvessem duas forças nela: uma que insistia em dizer que aquilo não passava de bobagem e que sozinha conseguiria encontrar um jeito para sentir-se melhor, e outra que dizia que sozinha ela não era nada. Com o passar do tempo, fui levado a acreditar na segunda. Não somos ninguém sozinhos e, hoje, mesmo não sendo ainda muito religioso, acredito que a criação de Eva é um exemplo explícito de que precisamos de alguém  em quem nos apoiar, um alguém para conversar, um alguém para contar. Precisamos de um alguém para viver.

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